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Notícia Expresso | Fisco obriga portos a pagar IMI. Decisão “cai que nem uma luva” no caso das barragens, diz autarca de Miranda do Douro

2022/03/17

O Vereador da Câmara Municipal de Miranda do Douro, Dr. Vítor Bernardo, concedeu uma entrevista ao jornal Expresso, onde se pronuncia acerca do tema dos Impostos devidos do negócio das Barragens, defendendo que a informação vinculativa, com data de novembro de 2021, em que o contribuinte quis saber se, sendo os portos espaços do domínio público, as construções lá feitas estão sujeitas a imposto, e quem é o responsável por ele. Embora aplicada especificamente ao caso dos portos, salienta que:"Esta conclusão encaixa que nem uma luva na posição que vimos defendendo".


Notícia Expresso: 17 março 2022 
por: Elisabete Miranda | Miguel Prado


A Câmara de Miranda do Douro acha que uma recente informação vinculativa da Autoridade Tributária, sobre o IMI dos portos, tem uma transposição direta para o caso das barragens vendidas pela EDP. Investigação continua sem desfecho à vista

A 6 de julho de 2021, mais de uma centena de magistrados, polícias e inspetores tributários varreram os escritórios da EDP, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e de contabilistas e advogados, para recolher informações sobre suspeitas de favorecimento fiscal na venda de seis barragens no Douro a um consórcio liderado pela francesa Engie. Oito meses depois, contudo, o processo continua sem desfecho à vista.
Não se sabe se o negócio estava sujeito a imposto do selo, se as barragens deviam pagar IMI - Imposto Municipal sobre Imóveis, nem tão pouco se a operação de venda teve - ou não - contornos criminais. Enquanto se aguardam resultados do trabalho das autoridades públicas, a Câmara de Miranda do Douro considera ter conquistado uma pequena grande vitória a seu favor: uma nota da Autoridade Tributária vem dizer que as construções feitas em terrenos do domínio público têm de pagar IMI. A posição do Fisco é sobre outra situação, mas “cai que nem uma luva” no caso das barragens.

"Esta conclusão encaixa que nem uma luva na posição que vimos defendendo"

(Vítor Bernardo, vereador na Câmara Municipal de Miranda do Douro)

Em causa está uma informação vinculativa, com data de novembro de 2021, em que o contribuinte quis saber se, sendo os portos espaços do domínio público, as construções lá feitas estão sujeitas a imposto, e quem é responsável por ele.
Embora o pedido de esclarecimento diga respeito a construções em portos, a dúvida tem contornos semelhantes aos casos que opõem alguns municípios, entre os quais Miranda do Douro, à EDP no caso das barragens. Na resposta, a AT considerou que sim: “Os edifícios e outras construções implantados nos terrenos integrantes do domínio público do Estado, sob gestão das administrações portuárias, por entidades concessionárias ou titulares de usos privativos de domínio público, constituem prédios para efeitos de IMI” e os proprietários destes edifícios têm de pagar IMI.
É esta conclusão que leva Vítor Bernardo, vereador na Câmara Municipal de Miranda do Douro, a achar que o município tem aqui um ganho de causa. Embora aplicada especificamente ao caso dos portos, esta conclusão “encaixa que nem uma luva na na posição que vimos defendendo”, diz o autarca ao Expresso.
Porquê? “O que vimos defendendo é que os centros eletroprodutores que se situam no nosso concelho e as construções e imóveis que neles se inserem estão sujeitos a IMI”, diz. Foi com base nesta argumentação que a autarquia já fez chegar um pedido à Autoridade Tributária para que calcule o valor patrimonial tributário dos imóveis das barragens de Miranda do Douro e Picote e exija à EDP o pagamento de IMI dos anos passados, e do IMT e do Imposto do Selo sobre o polémico negócio.
A informação vinculativa deixa expressamente de fora do IMI “as infraestruturas que, pela sua natureza ou porque o contrato de concessão ou outro contrato que titule a utilização privativa de bens dominiais expressamente o preveja, integram o domínio público do Estado desde a sua construção”. E este tem sido um dos argumentos usados pela EDP, o de que as barragens são um bem do domínio público, não tendo de pagar impostos. Mas em Miranda do Douro, o argumento não colhe.
“Não conhecemos os contratos de venda das outras barragens, mas nas de Miranda do Douro e de Picote, os bens imóveis foram transacionados, foram vendidos”. O negócio previu “uma transferência de concessão [do direito de exploração] e uma venda dos bens imóveis”, assegura Vítor Bernardo. Ora, tendo os bens imóveis sido vendidos, são do domínio privado. E, sendo do domínio privado, têm de ser sujeitos a IMI, como a informação vinculativa subscreve, argumenta a autarquia.
MILHÕES DE RECEITAS AUTÁRQUICAS
Miranda do Douro já pediu à Autoridade Tributária que inscreva todos os edifícios e construções das barragens de Miranda do Douro e Picote na matriz, que avalie os prédios, e liquide todo o IMI que ainda não se encontre caducado. Mas, até agora, não recebeu resposta do Fisco.
Contactado pelo Expresso, Vitor Bernardo não tece comentários sobre a demora da Autoridade Tributária, mas sempre vai dizendo que compreende que “a AT tenha constrangimentos legais para pronunciar-se sobre a cobrança de IMT e de imposto do selo”, já que estas matérias estão a ser investigadas pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) do Ministério Público, e sujeitas a segredo de justiça. Contudo, “no caso do IMI, a limitação já não se coloca. O IMI não está a ser investigado, depende de uma decisão administrativa: ou liquidam, ou não liquidam”.
Enquanto espera, “o município está a ser privado de alguns milhões de euros” de receita, já que o IMI (tal como o IMT) é um imposto que, apesar de ser cobrado centralmente, pela AT, é transferido para as autarquias.

“Compreendo que a AT tenha constrangimentos legais para pronunciar-se sobre a cobrança de IMT e de imposto do selo, matérias que estão em segredo de justiça. Contudo, no caso do IMI, a limitação já não se coloca: ou liquidam, ou não liquidam"

(Vítor Bernardo, vereador na Câmara Municipal de Miranda do Douro)

 

PROCESSO A MARCAR PASSO
Os primeiros alertas do Movimento Cultural da Terra de Miranda foram feitos no final de 2020, ainda antes de a EDP consumar a venda de seis barragens ao consórcio da Engie por 2,2 mil milhões de euros. Aquele movimento alertou o Governo para a possibilidade de a estrutura societária usada no negócio poder privar o Estado de 110 milhões de euros de Imposto do Selo.
Em dezembro, após a EDP anunciar a conclusão da transação (através da sociedade-veículo Camirengia), o movimento e o Bloco de Esquerda intensificaram a pressão para o Governo agir em matéria fiscal.
A EDP sempre manifestou o entendimento de que a transação não está sujeita a Imposto do Selo, contestando a ideia de que a estrutura usada visou fugir aos impostos com o argumento de que o negócio não poderia ser feito, dado o elevado número de contratos associados, sem ser através da cisão dos ativos para uma sociedade nova a alienar à Engie.
A EDP mantém esse entendimento e não constituiu qualquer provisão nas suas contas para acautelar um eventual risco de cobrança de imposto.
É esta a questão que está a ser investigada pelo Ministério Público, para saber se uma alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (artigo 60º) foi, ou não, feito à medida dos interesses da empresa.
Em paralelo ao Imposto do Selo (e ao IMT sobre o negócio), coloca-se também a questão de saber se as barragens têm de pagar IMI. A Autoridade Tributária começou por considerar que sim, mas, depois de ter perdido um processo na arbitragem fiscal, resolveu recuar nas suas posições e suspender todas as liquidações. Segundo o Fisco, cabe à APA (Agência Portuguesa do Ambiente) dizer se os bens das barragens são do domínio público, e, sendo-o, não há lugar a IMI. Desde 2016 que o Fisco não cobra imposto, o que também está a ser contestado pelas autarquias, nomeadamente pela de Miranda do Douro.
Contactada pelo Expresso esta semana, para comentar a informação vinculativa da Autoridade Tributária, e até que ponto pode vir a ter de pagar IMI, a EDP não quis tecer quaisquer comentários.
ELÉTRICA REITERA QUE A OPERAÇÃO NÃO ACARRETA IMPOSTO DO SELO
No seu último relatório e contas, relativo a 2021, a empresa reitera que "de um ponto de vista estritamente operacional, regulatório, técnico e jurídico, a cisão era a única forma viável e exequível para se proceder ao destaque daquele portfólio de AH [aproveitamentos hidroelétricos], considerando a dimensão e complexidade do mesmo".
O negócio de 2,2 mil milhões de euros com o consórcio liderado pela Engie foi criticado pelo Bloco de Esquerda e pelo Movimento Terra de Miranda como desenhado propositadamente para escapar ao pagamento de impostos.
"A EDP seguiu o único modelo (a cisão e subsequente venda de acções) que permitia garantir a continuidade das operações e a manutenção de todos os compromissos (incluindo de matéria ambiental e perante os municípios) necessários para o normal funcionamento dos AH em questão e, bem assim, que permitia dar resposta à necessidade do comprador adquirir uma empresa funcional e autónoma que pudesse prosseguir e assegurar o funcionamento de toda a actividade relativa aos AH, sem disrupções, imediatamente após a venda – o que era também requerido pelo regulador", contextualiza a elétrica.
A EDP sustenta ainda que "o modelo contratual utilizado na implementação da transacção encontra-se integralmente em conformidade com os padrões de mercado".
A empresa nota que "após a sua conclusão, a transação tem vindo a ser alvo de atenção mediática, assente no pressuposto de que a mesma teria configurado um trespasse de concessões e que, por conseguinte, estaria sujeita à verba 27.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo".
"No entender da EDP aquele pressuposto não é, de todo, aplicável, não sendo devido Imposto do Selo, na medida em que a transacção não consubstanciou um trespasse de concessões, mas antes uma operação de cisão-simples seguida da alienação da totalidade do capital social da sociedade resultante da mencionada operação de cisão (Camirengia) e detentora do acervo patrimonial afecto aos AH, não se tratando, em qualquer dos casos, de operações sujeitas a tributação em sede de Imposto do Selo", argumenta a EDP.