Mirandés: ua eiquipa ounida an nome de l futebol* No extremo nordeste de Portugal há tradições e uma língua própria… Mas também há bola e um clube que vence em campo o seu principal adversário: a interioridade
Excecionalmente, o título desta rubrica foi escrito em Língua Mirandesa. Tradução: «Uma equipa unida em nome do futebol»
CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita passado e presente de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.
GRUPO DESPORTIVO MIRANDÊS – Divisão de Honra da Distrital de Bragança
Quem passa pelo Planalto Mirandês percebe quão especial é aquele território no extremo nordeste de Portugal.
Ali há quem fale um idioma próprio, a língua mirandesa, que desde 1999 ganhou estatuto de segunda língua oficial do país, como nos recordam a cada passo as placas na estrada ou na toponímia das ruas. Há tradições de pauliteiros, gaitas de foles e capas de honra feitas em burel, arribas sobre o Douro num cenário de cortar a respiração, raças autóctones que compõem a paisagem – do gado bovino, ao cordeiro e aos burros.
Naquele pedaço de terra há também, claro está, futebol.
O Grupo Desportivo Mirandês, tal como o rival concelhio Sendim, representa a terra na única divisão do campeonato distrital de seniores da Associação de Bragança.
Apenas uma divisão para todo um distrito, num total de onze equipas resistem em nome do amor ao futebol às dificuldades da interioridade.
É precisamente por aqui que começa a viagem do Maisfutebol; pelas dificuldades de manter à tona um clube onde falta gente.
Faltam sócios, «apenas cento e tal numa cidade de três mil», faltam jogadores, oito vêm de Bragança, a mais de uma hora de caminho, à boleia numa carrinha de nove lugares com o treinador José Teixeira Alves. Falta também gente para ajudar a dirigir os destinos do clube, diz Paulo Jacoto, presidente e homem dos sete ofícios do Mirandês.
«Sou presidente, mas não como o Pinto da Costa no FC Porto. Não ganho dinheiro e tenho de ser eu a fazer o que aparece: viagens a Bragança para inscrever jogadores, trabalhar no bar do clube, às vezes vender bilhetes para os jogos e cobrar as quotas, trabalhar no campo, ir buscar água para os jogadores quando não há, até já fiz de apanha bolas… Tenho ajudas, claro, mas nem sempre é fácil arranjar sete pessoas do clube para organizar os jogos em casa. Temos de ter duas pessoas no banco, duas na segurança, duas na bilheteira e uma no bar. Andamos sempre às aranhas para arranjar gente», explica Paulo Jacoto, vigilante de profissão, que vai para o sexto ano como presidente do clube.
No Mirandês só não falta ninguém nas bancadas é quando o jogo é contra os vizinhos e rivais, da vila pertencente ao concelho de Miranda do Douro, que também disputam o distrital de Bragança. «Quando há dérbi contra o Sendim, aí sim, temos a bancada cheia: mais de 700 pessoas a assistir…», diz o dirigente.
A desertificação tem no entanto o seu contraponto. Quem ficou dá valor à entreajuda e o Mirandês socorre-se disso mesmo no seu dia-a-dia.
«Uma associação de pauliteiros cede-nos todos os domingos o autocarro para as deslocações da equipa. O nosso melhor fundo de maneio é o bar à entrada do centro histórico que é explorado pelo clube», exemplifica o presidente do Mirandês, que recentemente passou a contar com o apoio da claque «Os Cartolinhas». Um nome que é também uma homenagem às Terras de Miranda, já que a estatueta sagrada do Menino Jesus da Cartolinha, na sé da cidade, diocese desde o século XVI, é a que suscita maior devoção.
Aliás, foi bem perto da Sé, num campo ladeado pelas muralhas da cidade que o Mirandês jogou os seus primeiros anos, desde a fundação a 1 de janeiro de 1968.
Isto ainda antes de o clube, que chegou a competir na III Divisão Nacional no final da década de 80, mudar-se para o novíssimo Estádio Municipal de Santa Luzia.
Pelo recinto, o Mirandês já tinha subido há muito. Mas falta o resto. E o orçamento anual de cerca de 35 mil euros não permite grandes sonhos. «Não temos capacidade de sem ajuda da Câmara Municipal pensarmos sequer em disputar o Campeonato de Portugal. Mas essa questão só se colocaria se vencêssemos o campeonato distrital. É comum os clubes do distrito ganharem o direito a subir de divisão e abdicarem por não terem condições financeiras. Já chegámos a ficar em quarto e a sermos convidados a disputar o campeonato nacional porque os três primeiros tinham declinado o convite. Também tivemos de recusar, claro», explica Paulo Jacoto.
Para já, o campeonato do Mirandês é outro, bem mais difícil. Lutar por continuar a competir. Tal como noutros sítios do interior do país, aqui entrar em campo para disputar cada jogo já é uma vitória.
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