D. João IV: Restauração da Independência do Reino de Portugal (I)
26-03-2015| JORNAL A GUARDA
O dia 1 de dezembro de 1640 marca o início da Restauração da Independência do Reino de Portugal, após sessenta anos de domínio filipino, período em que o nosso país esteve subjugado aos monarcas espanhóis.
A restauração da nossa independência deve-se a muitos fatores, que resultaram na aclamação de D. João IV, o oitavo duque de Bragança, como novo rei de Portugal. Este monarca nasceu em Vila Viçosa a 19 de março de 1604, casou com D. Luísa de Gusmão, espanhola de nascimento, a 12 de janeiro de 1633 e faleceu a 6 de novembro de 1656. Foi aclamado rei de Portugal a 15 de dezembro de 1640 com o apoio de grande parte da sociedade portuguesa. Este clima favorável, de que gozava no país, permitiu-lhe criar novos impostos, desvalorizar a moeda e recrutar voluntários para fazer frente às necessidades monetárias e humanas, face a um confronto militar que se adivinhava próximo com a Espanha.
No meio de muitos confrontos com os espanhóis, prejudicados no seu esforço de guerra pela envolvência na Guerra dos Trinta Anos que travavam com os franceses, D. João IV sairia vitorioso na luta pela independência. No entanto, a contenda prolongaria-se-ia até 1668, altura em que no Tratado de Lisboa, assinado por Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, se reconheceria a total independência de Portugal.
A cerimónia de aclamação de D. João IV realizou-se no dia 15 de dezembro de 1649, no Terreiro do Paço, em Lisboa:
“Saiu El-Rei vestido de rico pardo, bordado de ouro com botões e cadeias de diamantes. Trazia opa de tela branca semeada de ramos de ouro. Sentou-se debaixo de um dossel em lugar alto, adornado das insígnias reais e, depois de tornarem os que lhe assistiam a lugares que lhes tocavam, fez uma oração muito eloquente o Dr. Francisco de Andrade Leitão.
Mostrou nela a justiça com que os três Estados do Reino restituíam a el-rei, que estava presente, a coroa usurpada à duquesa D. Catarina, sua avó, por Filipe II, rei de Castela.
Acabada a oração seguiu-se o juramento a que deu princípio D. Miguel de Noronha, duque de Caminha. Foi el-rei D. João jurado por legítimo sucessor dos reinos e senhorios de Portugal para si e seus descendentes e prometeu a seus vassalos de lhes guardar todos os direitos que lhes foram concedidos pelos reis seus antecessores.
Rematou-se o ato desenrolando o alferes-mor a bandeira e dizendo três vezes: Real, Real, Real, por El-Rei D. João IV, Rei de Portugal.
O povo respondeu com vivas.”
Mas nem todos os portugueses ficaram satisfeitos com a restauração da independência. Veja-se a carta que a marquesa de Montalvão enviou ao seu marido, vice-rei do Brasil:
“Já vos avisámos como ficámos com o duque de Bragança por rei e por nos dizerem que haviam de ver as cartas não nos atrevemos a alargar mais que a mostrar grande contentamento pelo perigo que havia em se dizer outra coisa.
Este negócio foi por tais cabeças que se lhe não pode esperar bom fim, nem traições o podem ter nunca, os que entraram nisto foram quarenta fidalgos, que hoje se nomeiam pelos quarenta da fama, sendo assim que são a escória da terra, os que não entraram nesta conjuração andam aqui muito arriscados (porque este rei não tem juízo para conhecer o que é bom, nem mau).
Este rei que temos não sabe que coisa é Brasil nem se lembra de nenhuma outra coisa mais que, quando vêm os navios, mandar saber se mandais alguma coisa para Miguel de Vasconcelos e manda buscar os papagaios muito escondido sem dizer nada.
O tabaco que me mandaste é muito má fazenda porque dizem que é muito mau e assim deram por ele a seis vinténs menos cinco réis, de maneira que nas quatro caixas se não fizeram mais que os duzentos mil réis que paguei a D. Luís de Almeida da paga do Natal; as outras duas caixas ficam por vender.
Pelo diacidrão que me mandaste, vos beijo as mãos; a marmelada não é tão boa: O negro é muito bom, nos Olivais anda e dizem que trabalha muito bem. Deus vos guarde e me mostre ver-vos, como desejo.
Lisboa, seis de fevereiro de mil seiscentos e quarenta e um.
Vossa
A Marquesa de Montalvão.”