ARQUEOLOGIA Murça reuniu arqueólogos para discutirem o seu ícone, a “Porca de Murça
Avila de Murça recebeu no passado dia 6 de maio uma palestra com vista a discutir a contextualização Histórica e Social da “Porca de Murça”, um berrão proto-histórico que se tornou no ícone principal da vila transmontana.
Não há ninguém neste país que quando se fala de Murça não associe a vila à famosa escultura zoomórfica que se ergue imponentemente na praça principal do seu aglomerado urbano. O ícone transformou-se mesmo numa imagem de marca identitária e foi com vista a tentar esclarecer a sua origem que a autarquia reuniu três especialistas para debaterem o assunto.
O auditório da Câmara Municipal ficou de lotação completamente esgotada para ouvir António Luís Pereira, da Direção Regional de Cultura do Norte, que abordou o Território dos Berrões no contexto da história de Trás-os-Montes; Armando Redentor, do Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património da Universidade Coimbra que apresentou os Berrões sobre o ponto de vista da sua Morfologia, Cronologia e Significado, e Alexandra Vieira, professora da Escola Superior de Comunicação Administração e Turismo do Instituto Politécnico de Bragança, que expôs a temática dos Berrões em articulação com a formação de Lendas.
A mesa foi moderada por José Alexandre Pacheco, diretor Agrupamento de Escolas de Murça e teve a apresentação geral do presidente da edilidade, José Maria Costa, que se referiu à “Porca de Murça” e à sua importância para o turismo local.
Berrões é o nome popular que os arqueólogos adoptaram para designar esculturas em pedra, predominantemente de granito, da Idade do Ferro ou mesmo já da época romana que representam, porcos, javalis e touros.
Estas esculturas surgem quase sempre associadas à representações de animais machos e o termo berrão, ou verraco em espanhol, utilizou-se de forma a designar animais que surgem representados sem castração, com explicita função reprodutora, os popularmente chamados “porcos de cobrição”.
Trata-se de um fenómeno localizado na região do Nordeste Transmontano, onde até ao momento surgiram cerca de 50 exemplares destas estátuas maioritariamente de granito e de tamanhos diversos. A título de exemplo, os especialistas citaram, para lá da “Porca de Murça”, a “Berrôa de Torre de D. Chama” (Mirandela), a “Porca da Vila “ de Bragança, o “Touro de Parada de Infanções” (Bragança), o “Berrão de Coelhoso” (Bragança), o “Berrão de Vila de Sinos” (Mogadouro), os berrões de Picote (Miranda do Douro) ou ainda as pequenas esculturas zoomórficas representando porcos, touros ou mesmo javalis que surgiram no Olival dos Berrões, em Cabanas de Baixo (Torre de Moncorvo) ou no Monte de Santa Luzia, no concelho de Freixo de Espada à Cinta.
Fora da região de Trás-os-Montes, o fenómeno surge muito residualmente na Beira Alta, onde ainda existem os berrões de Santo André das Arribas, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, o Berrão da aldeia histórica de Castelo Mendo, e no concelho de S. João da Pesqueira, na aldeia de Paredes da Beira, o chamado “Porco de Pedra”. Saliente-se, no entanto, que o fenómeno cultural com cerca de 2500 anos se concentra de forma particularmente densa na área geográfica correspondente ao Nordeste Transmontano, estende-se depois ao território extremenho da Beira Alta para entrar pelas províncias espanholas de Cáceres, Salamanca, Ávila, Zamora, Segóvia, Toledo e Burgos, onde se conhecem mais 300 exemplares.
No caso transmontano, explicaram os especialistas, tratam-se de esculturas técnica e esteticamente pouco elaboradas na maior parte dos casos. Algumas chegam mesmo a ser rudes e indefinidas, daí a confusão que o povo sempre faz na atribuição do sexo, embora possa afirmar-se o carácter eminentemente masculino destas representações.
As primeiras tentativas de sistematizar o estudo destas esculturas organizam-nas em tipologias, tendo por base de análise as suas dimensões que podem variar entre os 30 centímetros, como os “berrõezinhos” de Santa Luzia (Freixo-de-Espada-a-Cinta), ou as peças recolhidas no Olival dos Berrões, em Cabanas de Baixo (Torre de Moncorvo), e os dois metros da “Porca da Vila” de Bragança.
Tendo em conta os trabalhos de investigação que foram realizados no país vizinho, em que alguns exemplares destas esculturas foram encontradas em contexto, “in situ”, os arqueólogos elaboraram um conjunto de teorias que lhes atribuem significados funerários, funções mágico protectoras do gado, marcos de delimitações territoriais e de delimitações de espaços para pastagens. Alguns autores atribuem aos berrões a função de indicadores de caminhos ou marcos terminais de territórios tribais.
Não se sabe exactamente qual o significado cultural dos berrões, mas um facto que pode ser constatado é que a área geográfica onde aparecem também corresponde a uma interessante manifestação cultural, ainda muito mal estudada, e que diz respeito aos povoados de Pedras Fincadas, um processo de povoamento proto- Histórico que apresenta um sistema de defesa muito evoluído, constituído por um conjunto formado por torreão, murallha ou muralhas, fosso e pedras fincadas.
A “Porca de Murça” – que afinal é um porco, reiteraram os arqueólogos presentes-, sendo uma destas manifestações de origem proto-histórica (cuja cronologia poderá rondar os 500 anos Antes de Cristo), trasformou-se ao longo do tempo num símbolo identitário, assumindo na actualiade um conjunto de significados muitos mais amplos e diversificados, sendo desde há séculos o símbolo incontestado do concelho de Murça e uma das mais famosas, se não a mais famosa escultura zoomórfica do país.
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