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Imaginário

  • Lenda da Moura

    Conta-se que, num certo dia, durante o mês de janeiro, na ribeira de Vila Chã de Braciosa, passava por ali um jovem cabreiro que cuidava das suas cabras, quando ouviu uma voz que dizia:

    - Antonho, pega uma rosa...

    - Olha! Rosas em janeiro!!! - Respondeu ele

    ...Olhando e aproximando-se viu que a voz era de uma menina que trazia na mão uma rosa. O cabreiro ficou surpreendido com a oferta que a menina lhe fez e aceitou a flor de bom grado. A menina recomendou-lhe, no entanto, que não a mostrasse a ninguém. Quando Antonho chegou a casa, colocou a rosa no fundo de uma arca velha, entre a roupa.
    No dia seguinte, a sua mãe, querendo remover a arca, encontrou a bela flor e ficou sem palavras. Resolveu, então, mostrar às vizinhas o que o filho tinha guardado.
    Ao verem a rosa, logo esta se transformou em carvão e Antonho nunca mais viu a menina, que se pensa que seria uma moura.

    Existem por todas as aldeias do Concelho de Miranda vária lendas da Moura encantada.
  • Lenda do Nazo

    A Capela de Nossa Senhora do Nazo é um polo de atração principalmente em dia de romaria. Embora à volta desta capela se tenham, recentemente construído algumas outras capelas, reza a lenda que ela foi edificada por um casal mirandês. Estando o homem pastoreando o seu rebanho, apareceu-lhe uma Senhora que pediu para lhe construir naquele local uma capela, indicando-lhe, nessa mesma noite, na Serra do Naso, por meio de uma procissão com luzes, o local exato onde a capela deveria ser erigida. O homem recusou-se, temendo a mulher, mas Nossa Senhora insistiu no pedido. Muito a medo, o homem fez saber à mulher do desejo da Senhora. Mas a mirandesa não esteve pelos ajustes e começou a refilar: nesse momento ficou tolheita, diz-se que por castigo de Nossa Senhora. Quando se viu aleijada, a mulher prometeu que faria a capela e, no mesmo momento, voltou ao seu estado normal, pelo que imediatamente se iniciaram as obras. Consta ainda que, ao serem colocadas as pedras no carro, os bois o “tangiam” sozinhos, sem mostrarem o esforço pelo peso da carrada e sem precisarem de boieiro, regressando a casa dos donos para novo carregamento de pedra. Assim se construiu a capela desejada, cuja administração é feita por alguém contratado pelos descendentes daquela família.
  • O caso da Lagoa

    Naquele tempo existia uma lagoa de água retida e insalubre, ao fundo da Praça da Cruz, onde atualmente está implantado um edifício público, conhecido como Casa do Povo. Mas apenas ocupa uma parte, pois a lagoa era mais ampla, em todos os sentidos. Lá bebiam as vacas, até sem que fosse preciso assobiar-lhes. Viam-se e ouviam-se chuparem aquela água estagnada, com gosto preferencial em relação a qualquer outra…

    Aquela mesma lagoa, no Inverno cobria-se de gelo. Então havia rapazes, jovens e homens adultos que se divertiam a escorregar naquela espessa geleira. Por isso, ainda há quem se recorde de um palaçoulense que se deparou com sérias dificuldades em sair de lá, porque o gelo se partiu. Salvou-se com a ajuda de outros conterrâneos que, da margem, lhe lançaram os paus e a ponta de uma corda grossa, localmente denominada “lúria”, utilizada para apertar as carradas grandes, geralmente de lenha ou molhos de cereais. Assim que o resgataram, já teso com o frio e semi-afogado.

    Bom! Depois desta descrição, passamos a contar o que aqueles tais jovens fizeram, de sua espontânea e livre opção: Com baraços e cordéis apertados, fizeram com que um feixe dos destroços acabados de recolher daquela dupla imagem desmantelada. E zumba! Aí vai aquilo tudo para a lagoa, para que o diabo ou demónio, que ali tinha uma boa parte do seu focinho, feio de meter medo, se afogasse de uma vez para sempre. Mas que é que havia de acontecer? O inesperado daquele improvisado feixe teimava em não se afogar e até parecia que “refunfunhegava” cada vez mais, provocantemente, com tantas bolhas sonoras de agua que emitia, à medida em que se introduzia nos muitos buracos feitos pelo caruncho e por umas “rachicas” que tinha o “caramono”.

    Então, os rapazes, para que se afogasse e parasse de refilar, toca de lha atirarem com calhauzada, pois naquele tempo, pedras era o que mais havia por ali. Ao mesmo tempo, invetivavam-no com veemência: “inda refunfunhegas, caramonico de mil demonhos”?! E continuaram a lançar-lhes pedras e o mais que encontravam, para que aquele embrulho maléfico e provocante desaparecesse para o mais fundo da lagoa, também persistentemente empurrado pela talvez ingénua, constante e aparente diabrite expressa no mesmo “inda refunfunhegas caramonico de mil demonhos”? Assim foi, até que com o peso das pedras lançadas para cima, aquele estranho conjunto já estava quase totalmente submerso quando uma onda de alvoroço começou a correr pelo povo, relativamente à pirraça, “perrice” ou simplesmente inadvertido divertimento da rapaziada, mas já não foi possível evitar nem remediar, o que já era façanha consumada.

    O próprio Cura, advertido foi até a lagoa, mas já nada conseguiu ver nem vestígios do malfadado feixe de bocados, nem bolhas a “refunfunhegar”, nem sequer a rapaziada que tinha totalmente desaparecido, amedrontada, cada um para seu lado.

    O caso foi aproximadamente assim, simples, mas iria ficar na lembrança de gerações.

    Extraído de: Fernandes, José Francisco (2001), Mirandês e Caramonico.
    Caramonico – Assoc. para o Desenvolvimento Integrado de Palaçoulo, 188-190
  • Menino Jesus da Cartolinha

    A lenda mais conhecida, a do menino Jesus da Cartolinha, conta que Miranda se encontrava cercada de tropas espanholas, estando estas na eminência de tomarem as muralhas, muito cobiçadas pela sua importância estratégica, quando surgiu, não se sabe de onde, um jovem que ia gritando pelas ruas, incitando à revolta.

    A população já se encontrava descrente e sem forças não podendo oferecer resistência por muito mais tempo (pois o cerco mantinha-se há vários meses), sendo a fome e a sede os principais inimigos. Como por milagre as forças renasceram e após a dura batalha, os invasores foram expulsos.

    A praça de guerra foi salva! Procuraram o menino-prodígio! Queriam homenageá-lo, honrá-lo, mas não o encontraram. Como aparecera assim desaparecera! “Foi um milagre de Jesus”- do Menino Jesus da Cartolinha – disse o povo.

    Outra lenda conta que havia na cidade um jovem oficial, noivo de uma senhora da Corte, com a data de casamento marcada.

    Na defesa da praça (cercada de espanhóis) esse jovem, que teria uma brilhante carreira militar, morre. A noiva fez então a promessa de lhe honrar a memória, oferecendo ao Menino Jesus a farda correspondente à que o seu noivo iria vestir depois da guerra.

    Os mirandeses têm tanta fé no seu “ Menino” que ainda hoje exclamam em momentos de grande aflição “ Ai, Meu Menino!, Ai Meu Menino!”.

    A figura do Menino Jesus da Cartolinha está na Sé Catedral de Miranda, em altar próprio.
  • Senhora do Monte

    Distando pouco mais de uma légua da Cidade de Miranda do Douro, vê-se um lugar que se denomina de Duas Igrejas. Neste lugar existe um grande e magnifico templo, dedicado à Rainha dos Anjos, e nela é tida grande devoção a quem intitularam, Santa Maria do Monte ou Nossa Senhora do Monte: imagem de grande devoção por toda aquela terra. É tradição, que esta Sagrada Imagem aparecera naquele mesmo sítio a uma pastorinha muda de poucos anos, à qual deu fala, para que anunciasse ao povo que “queria fazer aqui Sua morada e lhe fizessem uma Igreja, onde havia de ir muita gente, através dos tempos. Dizem mais, que o seu aparecimento foi sobre uma giesta ou escova. Este foi o trono glorioso, em que foi vista a Rainha dos Anjos Maria Santíssima.

    Participou a pastorinha o favor que a Senhora lhe havia pedido, aos moradores do seu lugar.

    Acudiram todos a ver e a venerar a Mãe de Deus, e pretenderam levá-la, como o fizeram, para a sua Igreja, que já tinham dentro do lugar, e erigir-lhe nela uma capela. Porém não se acomodou a Senhora à sua vontade, mas à vontade do Altíssimo, porque era sua disposição que fosse venerada no mesmo lugar do seu aparecimento, porque sempre que a levaram para a igreja do lugar ela fugiu para a sua escova florida. E esta fuga parece ter-se repetido várias vezes. O que visto pela gente daquele povo, resolveu fundar-lhe no mesmo sitio um templo, no qual até aos dias de hoje é venerada, dispondo-o de tal forma, que o Altar da Senhora, que é o maior, ficasse sobre a mesma escova ou giesta do seu aparecimento.
  • Senhora do Picão

    No sitio do Picão situado a quatro quilómetros da Póvoa e a dois do Santuário do Nazo.
    Nos finais do Sec XIX início do Sec XX, na aldeia da Póvoa, concelho de Miranda do Douro algo de milagroso aconteceu a uma menina de nome Mariana dos Ramos João.

    Ainda Mariana estava no ventre da mãe, já poisava uma luz em cima de uma arca o que deixava a mãe preocupada com o que iria ser daquela criança, segundo relato de familiares Nossa Senhora aparecia em casa, em qualquer parte onde Mariana estivesse.

    Tinha então poucos meses quando o fenómeno se começou a registar, o que deixava a sua mãe perplexa. A bebé aparecia limpa e penteada. Havia também uma luz que se acendia, no período de abril a maio, fenómeno que se registou durante 16 anos.

    Só no ano de 1903, já Mariana tinha sete anos, conta o que lhe acontecia a um irmão, afirmando ver Nossa Senhora, situação nunca presenciada por mais ninguém, mas que tornou o lugar num local de culto, especialmente para os espanhóis da zona de Castela e Leão, que ali se deslocavam em grande número, contribuindo para a construção da capela, da casa dos peregrinos e do estábulo para os animais. Também a água e a terra do local era procurada porque dizia-se terem poderes curativos.

    Várias foram as razões para o desaparecimento do Santuário, no entanto o Picão acabou em ruínas de onde foram retiradas nos anos 50, pedras para erguer duas capelas, no Santuário Mariano de Nossa Senhora do Naso, e a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição que se encontra no interior da Capela do Naso.
  • A Velha

    A festa da “Velha” ou dança da “Velha” faz parte dos ritos de passagem e iniciação celebrados em toda a Terra de Miranda no período solsticial de Inverno.

    A velha de Vila Chã é representada por um homem tisnado no rosto e nas mãos, vestindo uma saia preta de burel, enfeitada com rendas e bordados brancos. Calça sapatos de bezerro e enverga um casaco de burel preto velho, enfeitado de franjas e rendas brancas. Na cabeça traz um chapéu preto, sujo e roto enfeitado com fitas de várias cores e palmitos.

    Traz um rosário de bugalhos pendurado do pescoço com uma cruz de cortiça queimada com que marca os que não lhe querem dar a esmola e também todas as moças solteiras.

    Na mão esquerda traz uma estaca de pau onde pendura as peças de fumeiro que lhe vão dando pelas casas. Onde não lhe querem dar a esmola, entra à cozinha e rouba do fumeiro o que pode apanhar.

    Na mão direita traz uma bengala forte e, na extremidade desta, algumas bexigas de porco cheias de vento com que amedronta e põe em debandada a criançada sem magoar ninguém.

    Ao ombro traz uma borracha (bota de vinho) cheia, da qual vai bebendo durante a volta e vai soltando gritos como: Guh, Guh, Haa, Hi, Hi !!!
    A Velha é acompanhada por um rapaz vestido de pauliteiro com saia branca, com lenços garridos de várias cores de seda, dobrados e pendentes da cintura. Na cabeça traz chapéu enfeitado com palmitos e fitas e veste casaco sobre o colete, também enfeitado com cordões e fitas. Nas mãos traz castanholas com que acompanha os gaiteiros e o baile às portas das casas.

    Outra figura que acompanha a Velha é um outro rapaz vestido de mulher, geralmente alto, trazendo na cabeça também um chapéu de pauliteiro sobre um lenço chinês. Toca conchas ou carrascas para acompanhar a dança. As três figuras dançam geralmente a dança da “bicha” acompanhados pelo grupo de tamborileiros mirandeses, gaita, caixa e bombo.

    Os mordomos da festa seguem o conjunto da “Velha” com alforges e sacos e também um cântaro de folha-de-flandres para recolher o vinho que lhes oferecem.

    “Recolhem pão cozido, dinheiro, cereal e carne de porco.

    Ao sair da igreja, no fim da missa e da procissão do Menino Jesus, é leiloado tudo o que se recolheu na volta do povo e o que sobra de pão, carne e vinho é para uma ceia coletiva.

    Junto de cada porta os três bailadores, durante a volta, dançam a bicha, dança típica da festa da Velha. A Velha ostenta as bexigas na ponta do balão e as chouriças na ponta da estaca com os gritos que atrás referimos”.

    O trio etnográfico assiste à missa da festa e depois acompanha a procissão. Durante a missa e a procissão o rapaz, vestido de mulher, tira o chapéu e cobre-se com um lenço e xaile de lã pesada, confundindo-se com as outras mulheres do povo.

    A Velha traz escrito nas costas um papel com versos sem métrica certa, e rima imperfeita.

    …. O ritual de marcar as moças com a cruz de cortiça queimada tem origem nas festas da “Lupercalia” e das “Floralia” dos Romanos em que os homens tocavam nas mulheres para as tornar fecundas.

    Extraído de: Mourinho, António Rodrigues (1993), Figuras Rituais do solstício de Inverno na Terra de Miranda, Museu da Terra de Miranda. Miranda do Douro: Museu da Terra de Miranda, 11-13.
  • O Carocho e a Velha

    No dia 27 de dezembro de cada ano, dia de S. João Evangelista na Liturgia Romana, em Constantim, povoação do Concelho de Miranda do Douro, aparece o conjunto do carocho e da Velha.

    O Carocho veste um fato de pano grosseiro e largo.

    Apresenta a cabeça coberta com uma máscara de couro que lhe cobre também a fronte até ao pescoço. No pescoço tem um rosário de carretas de linhas, já vazias. Nas mãos suporta um garfo de madeira de grande tamanho com que recolhe as peças de fumeiro; chouriças, salpicões, costelas, orelhas e pés de porco.

    Do queixo da mascara pende uma barbicha de bode como no chocalheiro de Bemposta. Sobre o trajo grosseiro o carocho ostenta uma bofanda de lã.

    Calça galochas ou polainas com botas de bezerro ou socos.

    A Velha ou “Tiê Biêlha” veste saia, blusa de chita estampada, lenço chinês na cabeça, xaile a tiracolo, um rosário de castanhas assadas ao pescoço e um saco ou surrão no ombro esquerdo. Na mão direita traz uma estaca com que recolhe a esmola de chouriça e outras peças que lhe vão dando pelas casas.

    Logo de manhãzinha cedo, depois de desenjoar, acompanhados por um grupo de tocadores de flauta pastoril ou gaita de foles, caixa e bombo e por um grupo de pauliteiros da povoação, o carocho e a Velha percorrem as ruas da povoação recolhendo a esmola para a festa de S. João. Recolhem chouriças, salpicões, dinheiro e cereal.

    Com esta esmola pagam a festa. As peças de fumeiro, pés, orelhas e costelas de porco, são para fazer a ceia comunitária que se realiza nos dias antes do Ano Novo, a 29 ou 30 de dezembro. Na Ceia comunitária participam todas as pessoas da povoação e outras pessoas convidadas pelos mordomos da festa.

    Os pauliteiros dançam um laço à porta de cada vizinho e o Carocho e a Velha acompanham, dançando, o ritmo dos instrumentos musicais dando saltos, fazendo trejeitos e dizendo graçolas.
    À porta dos vizinhos a quem faleceu algum familiar nesse ano, a dança pára e reza-se pelas almas das obrigações daquela família.

    Esta festa do carocho e da Velha de Constantim conserva-se ainda com muita originalidade do seu ritual. Tem origem em rituais dionisíacos e nela aparecem sinais de comunitarismo antigo.

    Extraído de:
    Mourinho, António Rodrigues (1993), Figuras Rituais do solstício de Inverno na Terra de Miranda, Museu da Terra de Miranda. Miranda do Douro: Museu da Terra de Miranda, 14-16.